Prova – prestação de contas

RECURSO CRIMINAL. DENÚNCIA. APROPRIAÇÃO E USO INDEVIDO DE VALORES DESTINADOS AO FINANCIAMENTO ELEITORAL. ART. 354–A DO CÓDIGO ELEITORAL. CANDIDATA. CONDENAÇÃO. RECLUSÃO. SUBSTITUIÇÃO POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. MULTA. MATÉRIA PRELIMINAR. TEMPESTIVIDADE. PRESCRIÇÃO NÃO RECONHECIDA. REJEITADA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. EMISSÃO DE CHEQUES NÃO NOMINAIS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. VERBA DE NATUREZA PÚBLICA. INCABÍVEL PRESUNÇÃO DE APROPRIAÇÃO OU DESVIO DOS VALORES. PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE, DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO IN DUBIO PRO REO. AUSENTE PROVAS CABAIS DE APOSSAMENTO INDEVIDO. REFORMA DA SENTENÇA PELA INSUFICIÊNCIA DO ACERVO PROBATÓRIO. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou procedente denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral, devido à apropriação e uso indevido de valores destinados ao financiamento eleitoral. Condenação da ré como incursa no crime tipificado no art. 354–A do Código Eleitoral. Aplicada pena de reclusão (substituída por prestação de serviços à comunidade), e multa.

2. Matéria preliminar. 2.1. Recurso tempestivo, interposto no prazo de dez dias da intimação da sentença, conforme dispõe o art. 362 do Código Eleitoral. 2.2. Prescrição não reconhecida. O tempo transcorrido entre sentença condenatória e a data de julgamento neste Tribunal é inferior a dois anos, prazo prescricional previsto pelo art. 109, inc. V c/c art. 115, ambos do CP (quatro anos reduzido pela metade, pela ré contar com mais de 70 anos na data da sentença). 2.3. Alegada nulidade da sentença, na medida em que o processo de prestação de contas que deu azo à presente demanda teria restado eivado de vício na intimação do defensor da candidata, o qual não estaria habilitado a receber intimações via PJe. Entretanto, o referido vício deve ser analisado na esfera própria, não se confundindo com o presente recurso. Afastada a arguição de nulidade.

3. Comprovada irregularidade em razão de pagamentos realizados mediante a emissão de cheques não nominais, utilizando verbas do FEFC. Desnecessidade de cruzamento das cártulas, uma vez que tal obrigatoriedade somente surgiu para o pleito de 2020, a partir do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, quando o termo “cruzado” foi inserido no texto normativo. Por outro lado, as informações declaradas estão em conformidade com os respectivos contratos e recibos de pagamentos juntados nas contas da candidata, acompanhados de documentos de identificação de cada contratado, havendo correspondência com as datas e os valores das saídas de recursos registradas nos extratos bancários.

4. Ausência de quaisquer provas de que os instrumentos contratuais são inautênticos, de que os serviços não foram efetivamente prestados, de que houve conluio entre a candidata e os diversos contratados, ou de que a candidata redirecionou os valores, totais ou parcialmente, para suas próprias contas ou utilizou–os para quitação de despesas não eleitorais suas ou de terceiros, aspectos que poderiam ser esclarecidos por simples diligência nas contas bancárias e pela oitiva dos fornecedores. O único indício da suposta prática criminosa consiste no fato de que os cheques não foram emitidos de forma nominal, o que, não conduz, automaticamente, à presunção de apropriação ou desvio dos valores pela candidata para efeitos de responsabilidade criminal.

5. Em sede penal, vigora o princípio da culpabilidade, sob o viés da responsabilidade penal subjetiva, de modo que é ônus do órgão acusador comprovar de que forma a acusada teria agido para, voluntária e conscientemente, apossar–se dos valores destinados à campanha. Ainda que não apresentados cópias dos cheques, extratos bancários de contratados ou outros documentos acerca dos fatos, tal conduta processual não deve ser tomada em desfavor da candidata, pois não se pode entregar ao acusado o ônus da prova de sua inocência, à luz dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. Em um Estado Democrático de Direito, o ônus da prova sobre todos os elementos objetivo e subjetivos do tipo legal de crime é sempre do órgão acusador, sob pena de, não se desincumbindo a contente, advir um julgamento contrário à pretensão punitiva.

6. Em relação ao tipo penal inscrito no art. 354–A do CE, o édito condenatório reclama prova robusta sobre o efetivo destino dos valores, pois a apropriação ou uso não voltado ao financiamento de campanha constituem elementares do tipo, não bastando a simples dúvida ou carência de transparência no processo original de contas. Ausente provas cabais de apossamento indevido ou utilização não eleitoral da verba, “a dúvida a respeito do que teria efetivamente ocorrido já seria bastante para conduzir à absolvição, pois a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que –a condenação deve amparar–se em prova robusta pela qual se demonstre, de forma inequívoca, a prática de todos os elementos do fato criminoso imputado aos réus” (AgR–REspe nº 52–13, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 14.3.2017).

7. A falha no preenchimento dos cheques, emitidos ao portador, e a indiligência da acusada no processo de contas não permitem que se conclua induvidosamente pela consumação do crime de apropriação indébita dos recursos de financiamento de campanha. Reforma da sentença pela insuficiência do acervo probatório. Absolvição com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP.

8. Provimento.

(RECURSO CRIMINAL ELEITORAL nº 060005789, Acórdão, Relator(a) Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Relator(a) designado(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 107, Data 16/06/2023)



RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. SUPLENTE. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA FEFC. PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE. NÃO OBSERVADA NORMA DE REGÊNCIA. ALTO VALOR. INVIABILIZADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS E O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato, referentes às eleições municipais de 2020, em razão da aplicação irregular de verbas provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Determinado recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Pagamentos efetuados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) mediante a emissão de cheques sem a devida identificação da contraparte, em contrariedade ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A regra disposta na norma de regência possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis, procedimento que ganha especial relevo com relação às receitas públicas recebidas do FEFC, como na hipótese dos autos.

3. A prestadora, ciente dos vícios apontados desde a primeira orientação desta Justiça Eleitoral, não buscou se desincumbir do ônus probante, o qual poderia se dar, por exemplo, mediante o apensamento das microfilmagens dos cheques. Não obstante os dados informados no SPCE e o ingresso dos contratos ao feito, o vício permanece, visto que a quitação dos débitos se deu erroneamente, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, e a candidata não trouxe à lide argumento ou documentação apta a sanar a irregularidade. A malversação de valores públicos tem por corolário lógico sua restituição ao erário.

4. A inconsistência relativa aos recursos do FEFC possui valor superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico e é utilizado como critério pela Justiça Eleitoral para que sejam aplicados os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, com o objetivo de mitigar o juízo de reprovação das contas. Manutenção da sentença.

5. Desprovimento. Mantida a desaprovação das contas e o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral nº 060028008, Acórdão, Relator(a) Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 14/07/2022)