Prova emprestada
MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. PEDIDO LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. DEFERIMENTO DO ROL DE TESTEMUNHAS OFERECIDO PELO MPE. ADMISSÃO DA JUNTADA DE ÁUDIO EM FORMATO NÃO COMPATÍVEL COM A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA. ACOLHIMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS MODIFICATIVOS, SEM TER OPORTUNIZADO O OFERECIMENTO DE CONTRARRAZÕES A PARTE CONTRÁRIA. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA A PRODUÇÃO DE PROVA ORAL SEM AGUARDAR A CONCLUSÃO DA PROVA PERICIAL. CONFIRMADA A LIMINAR PARCIAL. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Mandado de segurança impetrado contra decisões no bojo da Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE ajuizada em face dos ora impetrantes, decidindo por: a) deferir o rol de testemunhas oferecido pelo Ministério Público Eleitoral, com indicações idênticas àquelas indeferidas aos autores da ação, em razão de preclusão, para oitiva após as testemunhas arroladas pelos réus; b) deferir a juntada da prova produzida no inquérito policial que tramita junto à Polícia Federal a respeito dos fatos; c) admitir a juntada de áudio em formato não compatível com a regulamentação do PJe; d) admitir a juntada de áudios, vídeos e conversas de Whatsapp, considerados pelos impetrantes como obtidos de forma ilícita; e) acolher embargos de declaração com efeitos modificativos, sem ter oportunizado à parte contrária o oferecimento de contrarrazões e f) determinar a realização da audiência para a produção da prova oral sem aguardar a conclusão da prova pericial. Pedido liminar parcialmente deferido.
2. O art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16 é expresso ao estabelecer que as decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito. Ademais, nos termos da Súmula n. 22 do TSE, não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais. Nessa esteira, excepcionalmente, esta Corte tem conhecido mandado de segurança impetrado em face de decisão judicial, nas hipóteses de manifesta ilegalidade e de grave atentado contra direito líquido e certo do impetrante, demonstrado, de modo inequívoco, na petição inicial.
3. Do deferimento do rol de testemunhas oferecido pelo Ministério Público Eleitoral. A atuação do Ministério Público, na hipótese, ocorre como custos iuris, qualidade na qual terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos, certidões, produzir provas e requerer qualquer medida que entender necessária para o descobrimento da verdade, consoante preconizado no art. 179, incs. I e II, do CPC, ainda que consistam em providências sobre as quais as partes tenham agido com desídia ou omissão. Portanto, a finalidade da intervenção ministerial em que pugna pela produção probatória é zelar pelo interesse público imparcial na busca da verdade dos fatos, o que não se confunde com o interesse de qualquer das partes, razão pela qual não é ilícita a oitivas das testemunhas indicadas pelo Ministério Público após aquelas arroladas pela parte autora e pelos réus. Nesse sentido, o Juiz, apontado como coator, agiu em conformidade com o tratamento conferido pelo arcabouço jurídico ao Ministério Público Eleitoral como fiscal da ordem jurídica, não havendo excesso, teratologia ou ilegalidade na decisão.
4. Do deferimento da juntada da prova produzida em inquérito policial. A remansosa jurisprudência do TSE admite a prova emprestada, proveniente de expedientes criminais, em AIJEs, quando reputada necessária ao esclarecimento dos fatos pelo julgador. Na espécie, não há evidências de que os impetrantes não tenham tido, nos autos da AIJE, a oportunidade de se pronunciar sobre os elementos encartados ou contrapô-los com outros meios de prova, o que lhes será possível fazer, minimamente, em sede de alegações finais. A decisão do magistrado quanto ao ponto não constitui ato ilegal ou abusivo.
5. Da admissão da juntada de áudio em formato não compatível com a regulamentação do PJe. Depreende-se dos autos que, embora a parte demandante não tenha apresentado o arquivo de mídia em formato compatível com sistema PJe, o magistrado entendeu que houve falha do serviço cartorário na apuração oportuna da impossibilidade técnica de recepção da prova e, por consequência, em oportunizar à parte o saneamento ou correção do defeito. Por essa razão, realizada a conversão e adequação da mídia pelo próprio Cartório Eleitoral, o que também se justifica sob o prisma do princípio da cooperação entre todos aqueles que participam do processo (art. 6º do CPC) e como medida eficaz à garantia da celeridade do processo. Portanto, a decisão interlocutória impugnada não se reveste de ilegalidade flagrante ou teratologia jurídica que justifique a impetração do mandamus.
6. Da juntada de áudios, vídeos e conversas de Whatsapp com a petição inicial. A alegação acerca da origem ilícita da prova consiste em mera suposição dos impetrantes, sem amparo em evidências concretas, sendo plenamente plausível que, em um grupo de whatsapp com cerca de 40 integrantes, tenha ocorrido a divulgação voluntário das mensagens por um de seus membros. Assim, não há demonstração inequívoca de violação a direito líquido e certo a ser amparado pelo mandamus.
7. Do acolhimento de embargos de declaração com efeitos modificativos, sem ter oportunizado à parte contrária o oferecimento de contrarrazões. No ponto, em cumprimento à medida liminar parcialmente deferida, o magistrado impetrado determinou a intimação da parte demandada, nos termos do art. 1.023, § 2º, do CPC, proferindo nova decisão após a garantia do direito de manifestação da parte. Por essa razão, confirmada integralmente a decisão liminar proferida por seus próprios fundamentos.
8. Da realização da audiência para a produção da prova oral sem aguardar a conclusão da prova pericial. No ponto, colhidas as razões deduzidas, quando da apreciação dos embargos declaratórios opostos contra a decisão que deferiu parcialmente a pretensão liminar. Ausente flagrante ilegalidade ou teratologia no ato judicial praticado, não há de se falar em violação a direito líquido e certo dos impetrantes.
9. Na esteira do parecer ofertado pelo Parquet, cumpre tão somente a concessão da ordem relativamente à não abertura de prazo para contrarrazões aos embargos de declaração parcialmente acolhidos com efeitos infringentes, a fim de confirmar a decisão que concedeu a ordem em caráter liminar acerca do ponto.
10. Parcialmente concedida a segurança, confirmando a liminar.
(MANDADO DE SEGURANÇA nº 060009033, Acórdão, Relator(a) Des. MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE, Data 26/11/2021)
RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DE PROVA REJEITADA. MÉRITO. DOAÇÕES ADVINDAS DE PESSOAS JURÍDICAS. FONTE VEDADA. QUANTIA NÃO CONTABILIZADA NAS CONTAS. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.
1. Afastada a preliminar de nulidade da prova. Utilização de planilha produzida em autos de ação de investigação judicial eleitoral. Interceptações telefônicas obtidas por intermédio de prova emprestada considerada lícita. Observado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Pacífica a jurisprudência que admite o emprego de prova emprestada, não havendo razão para que se indefira o seu aproveitamento em sede de prestação de contas.
2. É vedado aos candidatos receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro procedente de pessoas jurídicas. Art. 25 da Resolução TSE n. 23.463/15. Considerando que o valor não foi contabilizado nas contas, mas constatado nos autos de ação de investigação judicial eleitoral que apurou o uso de caixa-dois na campanha, a quantia foi enquadrada como recurso de origem não identificada, com fundamento no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. Recolhimento ao Tesouro Nacional.
3. Provimento negado.
RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CANDIDATOS AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE. NÃO ELEITOS. VEREADORA ELEITA. PREFEITO E VEREADOR À ÉPOCA DOS FATOS. SECRETÁRIO MUNICIPAL. SERVIDOR PÚBLICO. EMPRESÁRIO. ELEIÇÕES 2016. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS. ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. CONDUTAS VEDADAS. ART. 73 DA LEI N. 9.504/97. PRELIMINAR DE OFÍCIO RELATIVA À ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS TERCEIROS NÃO CANDIDATOS PARA RESPONDEREM POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NO PONTO. AFASTADAS AS ARGUIÇÕES DE NULIDADE DA PROVA, DO PROCESSO E DA CONDENAÇÃO BASEADA EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. REJEITADAS AS PREFACIAIS DE OMISSÃO NA PETIÇÃO INICIAL. MÉRITO. OFERTA DE TERRENOS PÚBLICOS EM TROCA DE VOTOS. COBRANÇA DE PERCENTUAL SOBRE VENCIMENTOS DE SERVIDORES MUNICIPAIS COMISSIONADOS. COBRANÇA DE VALORES DE EMPRESAS QUE POSSUÍAM CONTRATO COM A PREFEITURA. USO DE BENS IMÓVEIS E DE SERVIÇOS CUSTEADOS PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL EM BENEFÍCIO DE CAMPANHA ELEITORAL. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DO VOTO. COMPROMETIDA A LEGITIMIDADE DO PLEITO E A LIBERDADE DE ESCOLHA DOS ELEITORES. MULTA. INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. PREQUESTIONADA A MATÉRIA DE DEFESA.
1. Questões preliminares afastadas. 1.1. Nulidade da prova emprestada. Quebra de sigilo para interceptação telefônica e de dados. Atendidos os requisitos de validade do afastamento do sigilo exigidos pela Lei n. 9.296/96, atinentes à existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, à impossibilidade de a prova ser realizada por outros meios disponíveis e à vinculação da prova a crime apenado com reclusão. Decisão devidamente fundamentada, exarada pelo juiz competente para o julgamento da ação principal, consignando que o afastamento do sigilo se daria com o intuito de continuidade e êxito das investigações em prol da sociedade, da democracia e da moralidade da administração pública. Ausência de malferimento ao art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal. 1.2. Cerceamento de defesa e ausência de contraditório. Para o sucesso da investigação criminal, é preciso que o Estado tenha alguma primazia no início da persecução, a fim de que possam ser colhidos os vestígios do crime e os indícios de autoria, inexistindo qualquer óbice a que se difira, para a fase de instrução judicial, o contraditório sobre o conteúdo da interceptação, quer pela natureza inquisitiva do procedimento, quer pela natureza cautelar da providência. Ademais, embora em momento não contemporâneo ao tempo das interceptações, foi oportunizada a manifestação dos recorrentes na fase investigativa. Não evidenciado ainda cerceamento de defesa ou nulidade na produção da prova oral. Instrução do feito ocorrida dentro da legalidade, não havendo nulidade alguma a ser pronunciada. 1.3. Nulidade de condenação baseada na interceptação telefônica. A doutrina e a jurisprudência convergem no sentido de ser lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. Devidamente oportunizado o acesso às mídias e garantida a ampla defesa e o contraditório durante a instrução do feito. 1.4. Omissão na petição inicial. Abordagem expressa da prática de condutas vedadas, com especificação dos diversos fatos caracterizadores da infração. Demonstrada a apresentação da degravação de todos os áudios com a petição inicial, a qual aponta com clareza a localização da prova do fato, indicando até mesmo o número da página, restando inverídica a tese de que houve prejuízo aos investigados.
2. Preliminar de ofício. Ilegitimidade passiva ad causam dos terceiros não candidatos, para responderem por captação ilícita de sufrágio. Diretriz jurisprudencial fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Extinção do processo, sem resolução do mérito com relação a dois recorrentes, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil. Prosseguimento do feito em relação aos demais demandados não concorrentes ao pleito, também responsabilizados pela prática de abuso de poder e condutas vedadas.
3. Oferta de terrenos em loteamentos públicos em troca de votos. Montagem de um complexo esquema para a oferta dos bens imóveis de representativo valor econômico e extrema relevância social, mediante a realização de entrevistas visando o convencimento dos eleitores beneficiados a votar nos candidatos demandados. Compra de votos institucionalizada, com a utilização da estrutura administrativa municipal ¿ servidores, bens e serviços ¿ a fim de propiciar a prática dos ilícitos.
4. Caderno probatório demonstrando a prática abusiva de cobrança percentual sobre os vencimentos de servidores comissionados do município, bem como de valores de empresas que possuíam contrato com a prefeitura, com o objetivo de angariar recursos para a campanha eleitoral. Utilização de instalações da prefeitura e de linhas telefônicas custeadas pelo poder público municipal para a efetivação das condutas ilícitas.
5. Compra de votos em troca de aprovação em concurso público e de nomeação em cargo público comissionado. Corrompido o voto e viciada a liberdade de escolha dos eleitores.
6. Evidenciado que os candidatos sabiam dos atos ilícitos, consentindo com as infrações praticadas pelos demandados na forma de anuência. Reconhecida a prática de captação e gastos ilícitos de recursos, captação ilícita de sufrágio, condutas vedadas e abuso de poder econômico e de autoridade. Gravidade das circunstâncias e relevância jurídica dos fatos para comprometer a moralidade e a legitimidade do pleito. Aplicação de multa. Convertidos para moeda corrente os valores fixados em UFIR. Declaração de inelegibilidade. Cassação de diploma. Prequestionada toda a matéria de defesa invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal.
7. Reforma parcial da sentença. Provimento parcial a recursos. Desprovimento dos apelos remanescentes.