Limites do pedido
RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. PARCIALMENTE PROCEDENTE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MATÉRIA PRELIMINAR. EFEITO SUSPENSIVO DA SENTENÇA AFASTADO. ADMISSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA EM RELAÇÃO A DUAS PEÇAS RECURSAIS. NÃO CONHECIMENTO. SENTENÇA EXTRAPETITA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE NA SENTENÇA. MÉRITO. DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC E DO TEMPO DE PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA NA TELEVISÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. INOBSERVÂNCIA DOS PERCENTUAIS DE GÊNERO E DE RAÇA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. BENEFICIÁRIO DIRETO. DESEQUILÍBRIO ENTRE OS CANDIDATOS DA AGREMIAÇÃO. NULIDADE DOS VOTOS. NECESSIDADE DA REALIZAÇÃO DO RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. INAPLICABILIDADE DO ART. 175, § 4º DO CÓDIGO ELEITORAL. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAR A ATUAÇÃO DIRETA E ESPECÍFICA. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS CONHECIDOS. NÃO CONHECIDO OS DEMAIS INTERPOSTOS.
1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, ajuizada em face de vereador eleito no pleito de 2020 por prática de abuso do poder econômico e dos meios de comunicação social. Acolhida preliminar de ilegitimidade passiva da Comissão Provisória do partido. Cassado o diploma do candidato e declarado nulos os votos por ele obtidos, determinando o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Julgados improcedentes os demais pedidos formulados.
2. Matéria Preliminar. 2.1. Efeito suspensivo da sentença. Os recursos eleitorais não possuem efeito suspensivo. Entretanto, há expressa previsão para esse efeito no caso de recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo. Preliminar afastada. 2.2. Admissibilidade recursal. Complementação por meio de peças recursais sucessivas. Ocorrência da preclusão consumativa. Impossibilidade de a parte interpor recurso diferente contra a mesma decisão ou complemente as razões já postuladas. Nesse sentido, jurisprudência do TSE e deste Tribunal. Conhecida unicamente as razões apresentadas primeiramente. Não conhecidas as demais. 2.3. Sentença extrapetita. Nos termos da Súmula TSE n. 62, "os limites do pedido são estabelecidos pelos fatos descritos na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor". Pedido improcedente, uma vez que a petição inicial tem como causa de pedir não apenas a prática de atos de abuso de poder, mas também a obtenção de benefício a partir dela, independentemente de o beneficiado ter contribuído ou não para sua ocorrência. Não reconhecida nulidade na sentença.
3. Premissas jurídicas do abuso de poder (econômico e midiático). Para a configuração do abuso de poder econômico é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos, e o emprego de recursos com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral. São institutos abertos, não sendo definidos por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito. Por sua vez, a utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre quando um veículo de comunicação social deixa de observar a legislação, e tal ato resulta em benefício eleitoral a candidato, partido ou coligação.
4. No pleito de 2020, competia aos partidos políticos, nas candidaturas para vereador, (1) em relação ao total de candidaturas lançadas, observarem percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para cada gênero; (2) em relação aos recursos públicos do Fundo Partidário (FP) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão - (2.1) observarem o percentual mínimo de 30% e máximo de 70% destinados para cada gênero; bem como (2.2) havendo percentual mais elevado do que o mínimo em candidaturas femininas, observarem a alocação de recursos e tempo de rádio e TV na mesma proporção; (3) em relação aos recursos públicos do FP e do FEFC e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão dentro do gênero feminino, observarem a sua alocação proporcional ao número de candidatas negras e brancas; (4) em relação aos recursos públicos do FP e FEFC e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão dentro do gênero masculino, observarem a sua alocação proporcional ao número de candidatos negros e brancos.
5. Distribuição de recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão. O partido lançou 53 candidaturas para o pleito proporcional, sendo 16 mulheres (30,19%) e 37 homens (69,81%), atendendo aos percentuais mínimo e máximo de gênero estabelecidos no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Assim, deveria ter direcionado 30,19% dos recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão para candidatas mulheres, e, dentro do gênero feminino, 12,5% desses recursos especificamente para as candidatas pardas/negras. Por outro lado, competia destinar 69,81% dos recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para candidatos homens; e, dentro do gênero masculino, 45,94% dos mesmos itens especificamente para os candidatos pardos/negros.
6. O valor total dos recursos provenientes do FEFC recebido pelo investigado é incontroverso e representa 43,06% do montante total obtido pelo partido, maior do que deveria ser atribuído a todos os candidatos homens brancos que concorreram ao cargo de vereador. O montante corresponde a 94,19% dos recursos utilizados em sua campanha, ou 97,98% se considerado apenas os valores em dinheiro, já que o candidato utilizou recursos próprios e recebeu doação em bens estimáveis. Portanto, quase toda a receita de sua campanha emanou deste repasse de recursos públicos do FEFC, consistindo em desproporcional concentração de recursos públicos nas mãos de um único candidato. A distribuição equitativa de recursos financeiros é um aspecto crucial para garantir a igualdade de oportunidades entre os candidatos em uma campanha eleitoral. A disparidade de recursos compromete a capacidade dos candidatos de realizarem campanhas robustas e efetivas, prejudicando a competição justa e dificultando a participação de concorrentes menos privilegiados financeiramente.
7. Desproporção na alocação do tempo de televisão entre as candidaturas a vereador pelo partido. Ao permitir que um candidato concentre a maior parte do tempo de propaganda na televisão, cria-se uma clara desigualdade de oportunidades entre os concorrentes, gerando desequilíbrio na visibilidade e dificultando a promoção da diversidade na política, o que contraria as ações afirmativas da legislação eleitoral. Ao se concentrar o tempo de propaganda em um único candidato, viola-se o princípio fundamental da democracia, minando a confiança dos eleitores no processo eleitoral e na imparcialidade das instituições responsáveis por sua condução.
8. A busca pela igualdade de gênero e pela promoção da diversidade racial é um princípio fundamental em uma sociedade democrática e inclusiva. A inobservância desses percentuais pode caracterizar abuso de poder econômico e utilização indevida dos meios de comunicação, comprometendo a igualdade de oportunidades e a representatividade política. Na hipótese, restou comprovado que o investigado foi diretamente beneficiado pelo abuso de poder econômico, tendo recebido expressiva quantia, que corresponde a 43% dos valores repassados pelo FEFC. Violados os enunciados das Consultas TSE n. 0600252-18.2018 e 0600306-47.2019, bem como o acórdão na ADPF-MC n. 738/DF. Configurado abuso de poder econômico e utilização indevida dos meios de comunicação. Prejudicadas as outras candidaturas do partido. Reconhecida afronta à lei, com base no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.
9. Os votos obtidos devem ser declarados nulos, recalculando-se os quocientes eleitoral e partidário (arts. 222 e 237 do Código Eleitoral). Inaplicabilidade, no caso, do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral. A procedência da AIJE em virtude do reconhecimento da prática de atos abusivos com impacto no pleito tem como consequência a anulação dos votos obtidos ilicitamente, conforme previsão legal explícita.
10. Não reconhecida inelegibilidade em decorrência do recebimento de recursos do FEFC e distribuição do tempo de propaganda gratuita de TV, sem observância aos percentuais de gênero e raça. Necessidade de demonstrar a atuação direta e específica do recorrido nas situações mencionadas nos autos, o que não foi realizado. A falta de elementos concretos de sua atuação com o intuito de obter benefício próprio não confere segurança suficiente para ensejar a sanção de inelegibilidade pelo prazo de oito anos.
11. Não conhecidos o segundo e o terceiro recurso. Provimento negado aos recursos conhecidos. Mantida integralmente a sentença. Prequestionada toda a matéria invocada nos autos.
MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PEDIDO LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA TERATOLOGIA OU DA ILEGALIDADE NA DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER GARANTIDO PELO MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA. DEFERIMENTO DO ROL DE TESTEMUNHAS OFERECIDO PELO MPE. NECESSIDADE DA COLETA DE DEPOIMENTOS EM UMA MESMA ASSENTADA E COMPARECIMENTO DAS TESTEMUNHAS INDEPENDENTEMENTE DE INTIMAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE TENHA O AUTOR DA AÇÃO AVISADO SUAS PRÓPRIAS TESTEMUNHAS ACERCA DO DIA DA AUDIÊNCIA. RENOVAÇÃO DO ATO. INJUSTIFICADO TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE AS PARTES. INTIMAÇÃO JUDICIAL DAS TESTEMUNHAS. NECESSIDADE DE JUSTIFICATIVA. INOCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. PRECLUSÃO RECONHECIDA. PERDA DO DIREITO À PRODUÇÃO DA PROVA ORAL REQUERIDA. TUTELA PARCIALMENTE CONFIRMADA. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA.
1. Mandado de segurança impetrado contra ato do Juízo da Zona Eleitoral que, nos autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, aprazou audiência de instrução e julgamento com violação ao devido processo legal. Pedido liminar parcialmente deferido, para suspender a realização da audiência de instrução até o julgamento de mérito do mandado de segurança.
2. O art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16 é expresso ao estabelecer que “as decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito”. Ademais, nos termos da Súmula n. 22 do TSE, “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais”. Nessa linha, excepcionalmente, esta Corte tem conhecido de mandado de segurança impetrado em face de decisão judicial, nas hipóteses de manifesta ilegalidade e de grave atentado contra direito líquido e certo do impetrante, demonstrado, de modo inequívoco, na petição inicial.
3. Alegada necessidade de saneamento do processo antes da audiência de instrução e julgamento, com pronunciamento sobre as preliminares deduzidas em contestação. Na hipótese, as prefaciais, ainda pendentes de solução, tratam de eventual inadmissibilidade das provas que embasam a versão acusatória, bem como da nulidade de elementos de informação colhidos pelo Ministério Público Eleitoral em procedimento administrativo de apuração. Embora o valor probatório ou a validade dos elementos acostados, de fato, influenciem na formação do convencimento do juiz sobre o objeto da ação, não acarretariam, de imediato, a inépcia da exordial ou a extinção do processo. Não incorre em flagrante ilegalidade ou teratologia a decisão que posterga a análise da nulidade das provas para o momento da sentença, tanto por se confundir com o próprio mérito da demanda quanto por essa avaliação exigir análise de outros fatos ou circunstâncias a serem esclarecidos no curso da instrução processual, a exemplo dos contextos que envolveram as mensagens reproduzidas nos prints de WhatsApp e seus itinerários (cadeia de custódia) até a entrega ao autor da demanda.
4. Suposta necessidade de delimitação da pretensão contida na inicial, ante a alegada confusão entre abuso de poder e condutas vedadas, o que impediria o exercício pleno da defesa em relação às elementares inscritas em cada tipo legal. A peça portal descreve os fatos e lhes atribui tipificação no art. 22 da LC n. 64/90 e em dispositivos específicos do art. 73 da Lei das Eleições, tendo o juízo decidido que “a petição inicial é clara e tem pedidos bem determinados”. Segundo a Súmula n. 62 do TSE, “os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”. Desse modo, inexiste manifesta ilegalidade ou teratologia no fato de o juízo processante haver deixado de aplicar o art. 44, § 1º, da Resolução TSE n. 23.608/19, que permite corrigir a tipificação contida na inicial, motivando sua decisão em não constatar, no atual estado do processo, óbice ao exercício da defesa e tampouco que os fatos narrados indicam ilícitos com capitulação diversa da atribuída pelo Ministério Público Eleitoral. Ausência de demonstração de ilegalidade na decisão impugnada e, por consequência, do direito líquido e certo a ser garantido pelo mandado de segurança.
5. Perda da prova em razão de a parte autora não haver levado suas testemunhas, independentemente de intimação judicial. Matéria disposta no art. 22, inc. V, da LC n. 64/90. É firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que “a coleta dos depoimentos deve ser feita em uma única assentada, constituindo responsabilidade da parte diligenciar para que as testemunhas efetivamente compareçam à audiência previamente designada” (TRE–RS – RE: 32657 RS, Relator: Dr. Jorge Alberto Zugno, Data de Julgamento: 25.06.2013, DEJERS de 27.06.2013). Ausência, na peça inicial, de manifestação do Ministério Público Eleitoral sobre a forma de intimação ou comparecimento das testemunhas. Incidência da regra da Justiça Eleitoral do comparecimento à audiência independentemente de intimação. Ademais, tendo o juiz determinado a realização da audiência e o comparecimento das testemunhas, de ambas as partes, independentemente de intimação, o demandante deveria, antes da audiência, manifestar a pretensão de que fossem elas notificadas judicialmente para se fazerem presentes, expondo as situações que justificariam o tratamento excepcional. Inexiste nos autos qualquer comprovante de que tenha o autor da ação ao menos procurado avisar suas próprias testemunhas acerca do dia da solenidade. Não consta a carta com aviso de recebimento, prevista no art. 455, § 1º, do CPC, tampouco há menção à diligência realizada por secretário de diligências do próprio Parquet. Permitir a renovação do ato a quem sequer diligenciou para a presença de suas testemunhas causaria injustificado tratamento diferenciado entre as partes.
6. É farta a jurisprudência que reconhece a possibilidade de intimação judicial das testemunhas arroladas por qualquer das partes quando houver fundados motivos para tanto. Entretanto, no caso, a parte autora não expôs as razões que a impossibilitaram de conduzir as testemunhas e não justificou as ausências. Assim, desde a petição inicial até a remarcação da audiência, não houve nenhum pedido em relação à forma de intimação das testemunhas, o que estabeleceu a concordância com o procedimento disciplinado pelo art. 22, inc. V, da LC n. 64/90 e expressamente adotado pelo magistrado por ocasião da designação do ato.
7. O Código de Processo Civil somente é aplicável de forma subsidiária ao processo eleitoral (art. 15 do CPC). No caso, há regulamento específico para a matéria na LC n. 64/90, que regula o rito das ações de investigação judicial eleitoral, prevendo que as testemunhas deverão comparecer na audiência de instrução independente de intimação. Inexiste qualquer distinção sobre a natureza das partes, mesmo quando o Ministério Público Eleitoral atua como parte. Portanto, o Parquet, em regra, tem o dever de atender a tal determinação. E, ainda que se admita a intimação judicial das testemunhas em situações excepcionais, é necessário que a medida seja devidamente requerida e justificada pela parte que pretende a prova até a realização da audiência, o que não ocorreu na espécie.
8. Concessão parcial da segurança. Preclusão e perda do direito à produção da prova oral requerida pela parte autora da ação, devendo a audiência de instrução e julgamento ser marcada para oitiva apenas das testemunhas arroladas pelos demandados.
(MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL nº 060372148, Acórdão, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 49, Data 20/03/2023)
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - AIME. PROCEDENTE. VEREADOR ELEITO. PRELIMINARES AFASTADAS. ILICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. INTEMPESTIVIDADE DO ROL DE TESTEMUNHAS. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILICITUDE DE PROVA. MÉRITO. DOAÇÃO DE REFEIÇÕES EM ANO ELEITORAL. PROMESSA DE MANUTENÇÃO DE EMPREGO EM TROCA DE APOIO ELEITORAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUANTO AO SEGUNDO FATO. MANTIDA A CASSAÇÃO DO DIPLOMA. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou procedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME para cassar o mandato de ocupante do cargo de vereador, reconhecendo os ilícitos de doação de alimentos e promessa de manutenção de emprego em troca de votos.
2. Matéria preliminar afastada. 2.1. Ilicitude da gravação ambiental e intempestividade do rol de testemunhas. Não se declara a nulidade de ato processual sem a demonstração de efetivo prejuízo, na forma prescrita pelo art. 219 do Código Eleitoral. Manifesta inovação, na peça recursal, de matérias que, independentemente de sua natureza jurídica (pública ou privada), restam preclusas, nos termos da reiterada jurisprudência do TSE. 2.2.Impossibilidade jurídica do pedido pelo descabimento da AIME. As condutas que podem caracterizar a procedência de uma AIME não são taxativas, constituindo atos ilícitos que extrapolam o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio, rompendo com a normalidade e legitimidade do pleito. No caso dos autos, a AIME restou ajuizada no prazo decadencial de 15 dias da diplomação, descrevendo condutas que, em tese, atingem o bem jurídico tutelado no § 9º do art. 14 da CF, a configurar abuso de poder político, abuso de poder econômico e corrupção, em que o réu teria promovido, participado ou tirado proveito pessoal. Ademais, quanto à capitulação legal, a Súmula 62 do TSE é expressa no sentido de que os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor. Quanto à incidência do art. 44, § 1º, da Resolução TSE n. 23.608/19 (intimação das partes quando os fatos narrados não correspondem à capitulação legal exposta na inicial), cuida-se de faculdade do magistrado. Afastada a alegação de nulidade da sentença. 2.3. Ilicitude das provas juntadas pelo autor, em razão da não comprovação de sua autenticidade por meio de ata notarial ou perícia. Provas juntadas e submetidas ao contraditório, sem qualquer contestação nas regulares oportunidades processuais. Inexistência de controvérsia sobre a autenticidade das imagens, sendo aplicável à espécie o disposto no art. 374, inc. III, do CPC.
3. Matéria fática. 3.1. Doação de refeições em ano eleitoral, por meio de assessoria e uso de aparelho celular funcional para a prática abusiva. Incontroversa a existência do fato. O TSE entende que o abuso de poder econômico ¿se caracteriza pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho¿ (TSE. AI 0000685-43.2016.6.14.0003; Relator: Min. Edson Fachin; julgado em 04.03.2021; DJE de 19.03.2021). A distância do acontecimento do fato em relação ao pleito e a ausência de renovação das condutas com a aproximação do período eleitoral mitigam a potencialidade necessária para afetar a lisura das eleições e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Inexistente comprovação mínima de que os agentes públicos estavam realizando as atividades contra as suas vontades ou em horário de trabalho. Apesar de a conduta assemelhar-se à tipificada no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, com ela não se confunde, pois não há demonstração de que as refeições tenham sido custeadas pelo poder público. Provido o recurso no ponto. 3.2. Promessa de manutenção de emprego em troca de apoio eleitoral. Contratação emergencial de empresa de vigilância para a prestação de serviços de segurança na Câmara de Vereadores. Incontroverso o ato de corrupção eleitoral em sentido lato ao oferecer/prometer permanência no emprego em troca de votos, caso fosse eleito. O recorrente, valendo-se de sua condição de Presidente da Câmara, condicionou a manutenção do contrato com a empresa de vigilância e seus trabalhadores ao apoio à sua candidatura. Este Tribunal tem mantido o entendimento, assentado na jurisprudência, no sentido da validade probatória da gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais. Manutenção da sentença quanto ao segundo fato.
4. Determinada a cassação do diploma, restando nulos para todos os fins os votos atribuídos ao recorrente, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.
5. Parcial provimento.